quinta-feira, 24 de abril de 2008

"25 de Abril" sempre.

À data de 25 de Abril de 1974 encontrava-me em missão de serviço na cidade da Beira em Moçambique como jovem Segundo-Tenente da Classe de Marinha, recém saído da Escola Naval, embarcado numa Corveta da Marinha de Guerra Portuguesa. O navio encontrava-se nesse dia em reparação num estaleiro daquela cidade e a notícia foi-nos trazida por um Técnico de uma empresa de reparações mecânicas, que teria escutado uma Rádio Sul-Africana, nessa manhã.

A primeira sensação que tive foi a de uma explosão de alegria não exteriorizada por motivos óbvios. Na Camara de Oficiais, principalmente na presença do Comandante ou Imediato, não se discutiam questões de índole política, muito menos se hostilizava abertamente o Regime. O juramento que tínhamos feito na promoção ao posto de Guarda- Marinha, quando da conclusão do curso da Escola-Naval, não deixava margens para dúvidas! Se por acaso o fizessemos isso teria certamente repercussões negativas na nossa carreira.
Mas isto não significava que alguns dos oficiais embarcados no navio não tivessem já naquela altura alguma consciência política, a maior parte das vezes manifestada em surdina pelo sussuro das músicas do Zeca Afonso e do Adriano Correia de Oliveira.

De entre todos os oficiais do navio talvez eu fosse o mais inconformado e o mais inconsciente em correr riscos, isto porque me recordo perfeitamente de, durante as longas navegações ao longo da Costa de Moçambique, no trânsito entre as cidades da Beira, Lourenço Marques, Nacala, Porto Amélia, Mocímbua da Praia e Palma, no meu posto de Oficial de Quarto na ponte do navio, manifestar frequentemente, perante os Sargentos e Praças no seu posto, de viva voz, a minha indignação e o meu desacordo com a guerra colonial que o Governo Português travava em Moçambique, Angola e Guiné.
A minha atitude era estritamente solitária e o meu compromisso era exclusivamente com a minha consciência.

A minha alegria resultante da boa nova da Revolução dos Cravos que acabara de ocorrer foi assim explosiva mas contida e interiorizada. Explosiva porque os pensamentos chegavam à minha mente de uma forma repentina e incontrolável. Um desses pensamentos era inteiramente dirigido para a recordação das audições secretas da Rádio Moscovo quando adolescente, na companhia do meu pai, e da sensação de medo e nervosismo que isso nos provocava quando confrontados com a possibilidade de sermos descobertos. O meu pai não era comunista nem tinhamos qualquer contacto com comunistas, mas aquela rádio para além de ser a única forma de conhecermos a outra versão dos acontecimentos era acima de tudo um veículo de comunicação que nos situava no mundo de então.
Uma outra ideia que me assaltou foi a necessidade enorme que senti de sair rapidamente do navio e transmitir a bombástica novidade à minha mulher que na altura se encontrava em aulas no Instituto Técnico da Beira que frequentava como estudante do Curso de Química. A partilha daquele momento único e feliz com alguém da minha intimidade era uma necessidade premente!
Outro pensamento que me veio à mente foi o do possível fim da guerra e consequentemente do cessar das minhas incursões nocturnas nos rios do Norte de Moçambique como Comandante da Força de Desembarque, transportando numa dúzia de botes de borracha, um Destacamento de Fuzileiros. Isto causava-me, acima de tudo, um particular alívio e provocava-me uma enorme descompressão e tranquilidade.
Mas os pensamentos naquela hora eram mais que muitos e chegavam em catadupa à minha mente. Contudo, o meu pensamento dominante e a minha maior satisfação prendiam-se com o facto de saber que o meu País iria ser diferente para melhor, iria ser livre, mais desenvolvido, em tudo parecido com aqueles países da Europa que eu, quando cadete da E.N., adorei visitar durante as minhas viagens em navios da Marinha Portuguesa.

Decorridos que são trinta e quatro anos após aquele dia, já na reforma, após uma carreira na Marinha de trinta e cinco anos na efectividade do serviço, eis-me aqui neste espaço de expressão de liberdade, como é este meu blog, interrogando-me sobre a bondade e a justeza da Revolução do 25 de Abril!

Foi um longo caminho que percorremos, com muitos altos e baixos, com uma ruptura clara com sistemas políticos que apregoam a liberdade em voz alta mas defendem em surdina o fim do regime democrático, com revoltas de quarteis que quase conduziram a uma guerra civil, com a subordinação do poder militar ao poder civil, com convulsões sociais de toda a natureza, com alternâncias de poder frequentes entre os dois maiores partidos da democracia portuguesa.......Mas a evolução do País foi, a todos níveis, notável!
Se quizermos fazer um exercício de comparação entre o Portugal de 1974 e a actualidade pudemos constatar que as diferenças são impressionantes! Apenas dois dados que são bem elucidativos: O numero de lares sem electricidade e sem água em 1974 eram cerca de 36% e de 52.6% contra o.3% e 1.5%, respectivamente, existentes actualmente. O numero de licenciados era em 1974 de 49 mil contra 920 mil nos dias de hoje.

Há certamente ainda muito a fazer nos tempos mais próximos, concerteza que há! Mas penso que estamos no bom caminho! As prioridades do momento passam pela contenção orçamental e pelo arrumar da casa, pela reforma da Administração Pública por forma a obter maior eficiência com mais organização e menos recursos, pela consolidação da Segurança Social,pela melhor Formação e Certificação Profissionais,pela melhoria do Ensino, menor burocracia, aumento da produtividade, maior investimento público e privado e pela convergência com os países mais desenvolvidos da Europa.
Se conseguirmos tudo isto no espaço de meia dúzia de anos, e eu estou confiante que vamos conseguir, podemos afirmar com toda a convicção que a Revolução de Abril conseguiu atingir em pleno todos os seus objectivos.

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