quarta-feira, 13 de junho de 2007

Denúncias anónimas e cumplicidades

Em entrevista recente à revista Visão, o Fiscalista Saldanha Sanches afirmava que existe nas autarquias de província "uma relação de amizade e de cumplicidade entre os Autarcas e o Ministério Público que põe em causa a independência judicial" no que concerne, evidentemente, às matérias de criminalidade económica.
Estas afirmações provocaram, como seria de esperar,uma acésa polémica entre os que se sentiram visados e a coisa promete não ficar por aqui! Até porque o "provocador" desempenha agora uma importante função no âmbito da candidatura de António Costa ao município de Lisboa.
Convém no entanto lembrar que para além do papel relevante que os Magistrados do Ministério Público desempenham na acção judicial, as Polícias, nomeadamente a Polícia Judiciária, dispôem igualmente de um grande poder nesta matéria. Se não nos enganamos, as suas competências neste momento estendem-se até à possibilidade de constituir arguídos! E estas duas entidades, em perfeita sintonia , dispôem ainda do poder, imagine-se, de decidir a abertura automática de um inquérito baseado pura e simplesmente numa denúncia anónima. E mais grave do que isso, a existência de uma denuncia anónima é condição suficiente para a abertura de um inquérito, mas isso não implica que também seja condição necessária. Isto significa que o critério de instaurar um inquérito judicial sempre que exista uma denúncia anónima poderá ser seguido ou não, conforme as circunstâncias, não havendo para o efeito necessidade da existência de suspeitas fundamentadas. Isto é, o critério não existe.
Assim sendo, não interessa apenas falar em cumplicidades de autarcas das cidades de província com magistrados do Ministério Público mas também relevar a importância de outros intervenientes neste processo e equacionar o alargamento dessas relações de amizade a outros orgãos igualmente relevantes da máquina judicial, nomeadamente a Polícia Judiciária.
Os Magistrados do Ministério Público muitas vezes são colocados em Comarcas da Província, pese embora sejam naturais de outras zonas do país. São, nessas circunstâncias, nomeados para uma comissão de serviço temporária, com carácter de missão. Os Agentes e Inspectores da PJ têm uma tendência natural para procurarem ser colocados nas cidades próximas das suas terras de origem, tendo assim uma afinidade muito mais forte à região onde nasceram.
Portanto, se quizermos ser mais rigorosos e analizar de uma forma mais exaustiva as relações de amizade e cumplicidade que poderão pôr em causa a independência judicial, deveremos nelas incluir, não apenas os autarcas e magistrados do MP,mas também as entidades com influência local ou regional e todos os intervenientes activos na acção judicial.
Recordam-se certamente daquele episódio rocambolesco da despedida do chefe da PJ de Aveiro do exercício do seu cargo, no ano de 1998. A festa se bem me lembro foi realizada num célebre restaurante da zona, à porta fechada, onde após um opíparo banquete teve lugar uma cena de STREAP TEASE em cima da mesa onde foi servida a refeição, proporcionada por uma prostituta contratada para o efeito.
Pois bem, segundo reza a história, entre as presenças que rejubilaram com o festim, para além de todo o corpo policial da PJ de Aveiro, constavam também algumas Entidades Locais e Regionais e alguns Magistrados do Ministério Público. Querem maior cumplicidade que esta?
Já que falamos de Aveiro recordo neste espaço as vicissitudes por que passou este vosso "bloguista" às maos da PJ local no exercício das suas funções de Capitão do Porto daquela cidade, para as quais foi nomeado no fim de 1998.
Uma carta anónima de um mau funcionário, que nunca aceitou o facto de ter sido movimentado para outra cidade, foi o unico motivo oficial que justificou o accionamento de um inquérito judicial em que foi constituído arguído. Os outros motivos não oficiais e evidentemente não evocados prenderam-se com dificuldes de relacionamento institucional entre o Capitão de Porto e a PJ local.
O processo foi arquivado em 2006 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, baseado maioritáriamente em fundamentações que já tinham sido esgrimidas, mas em vão, na fase inicial do processo, pelo Chefe de Estado Maior da Armada, quando da conclusão do processo de averiguações mandado instaurar pela Marinha.
Interroguei-me diversas vezes durante a vivência daquela situação, quantas cartas anónimas teria recebido a PJ de Aveiro, visando concretamente autarcas e outras entidades locais, que pura e simplesmente foram ignoradas e não deram origem a qualquer inquérito judicial?
Pois bem, o Capitão de Porto é apenas um oficial das Forças Armadas que não pertence a qualquer lobby organizado, não tem normalmente ligações à terra ou à região e é uma espécie de para-quedista que aterra no local para fazer uma comissão de serviço e depois partir. Existem mais exemplos do passado que pôem em evidência a fragilidade em que se expôem os membros das Forças Armadas quando desempenham cargos na Administração Pública conotando-os como alvos a abater.
Por outro lado, o denominado Departamento dos Crimes Económicos da PJ de Aveiro tinha que mostrar serviço e apresentar trabalho. À falta de investigação a autarcas e outros, sempre existem alguns mal amados que apenas necessitam de uma carta anónima redigida por um mau funcionário", para serem constituídos arguídos e servirem de arma de arremesso para vinganças pessoais!
Felizmente que o Governo e o procurador-geral da Républica já compreenderam as aberrações do actual Código de Processo Penal (CPP) e decidiram alterá-lo em consonância com o principal partido da oposição. De acordo com o publicado na Comunicação Social a nova lei vai retirar às polícias a competência para atribuir o estatuto processual de arguído. Além disso consta também que , entre muitas outras alterações que irão figurar na futura lei, as denúncias anónimas vão deixar de dar origem automática à abertura de inquéritos.
Mais vale tarde que nunca!
Como diz o procurador-geral da República, Dr. Pinto Monteiro, "O País está hoje cheio de arguídos inocentes".
Como neste País, para o homem médio, o arguído é culpado, imagine-se a quantidade de arguídos inocentes existentes e toda a panóplia de angústias, de desesperos, de incómodos e prejuízos pessoais a eles causados e às suas famílias.
Releve-se também todos os meios materiais e humanos envolvidos em milhares e milhares de processos arquivados que não deram em nada e os custos envolvidos em todas estas operações, sem qualquer responsabilização de Agentes e Inspectores da PJ e Magistrados do MP.
Oxalá que o novo CPP possa proporcionar uma efectiva melhoria na justiça portuguesa e contríbua também para uma verdadeira independência judicial.

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